“…o 2P ao constatar que a aeronave estava continuamente perdendo velocidade e altura, de forma não usual, assumiu os comandos do helicóptero…”

“…o 2P ao constatar que a aeronave estava continuamente perdendo velocidade e altura, de forma não usual, assumiu os comandos do helicóptero…”

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Desorientação Espacial, Perigo Iminente em Voo

 SO AV RM1 Carlos Augusto Pereira Costa

 

            Durante uma Vistoria de Segurança de Aviação (VSA) noturna em um Navio da Esquadra Brasileira, na fase final de aproximação para pouso a bordo, em condições meteorológicas para instrumento (IMC), o 1P (primeiro piloto) sofreu desorientação espacial tipo ilusão oticogravitacional, e o 2P (segundo piloto) ao constatar que a aeronave estava continuamente perdendo velocidade e altura, de forma não usual, assumiu os comandos do helicóptero e prosseguiu na aproximação até as proximidades da plataforma de pouso, onde o 1P já com referências visuais, recebeu de volta os comandos e efetuou o pouso.

            Em conformidade com o Manual de Segurança de Aviação da Marinha DGMM-3010, Desorientação Espacial é a ocorrência em que o piloto em comando entra em processo de confusão na interpretação da atitude da aeronave, entrando ou não em atitude anormal. O tipo ilusão oticogravitacional dá uma sensação falsa de mudança de posição que ocorre quando uma força de inércia, concomitantemente com uma aceleração linear, combina-se com a força da gravidade para formar um vetor de força resultante que não está alinhado com a vertical. Esta força resultante diferente da vertical, para a qual os órgãos otolíticos estão biologicamente preparados para fornecer ao ser humano a sensação de verticalidade, gerou no piloto a ilusão de que a aeronave estava inclinada para vante, embora ela permanecesse em atitude de desaceleração com o nariz ligeiramente para cima. Esta falsa sensação fez com que o 1P “matasse” a velocidade, determinando a intervenção do 2P.

 

         

           A tensão é um fator que aumenta a probabilidade de erro de julgamento pelo piloto. O voo por instrumento é uma atividade que, por si só, gera um nível elevado de “stress” nos aeronavegantes. No presente caso, vários outros eventos, além da jornada de trabalho prolongada e da alimentação irregular, contribuíram para aumentar a carga emocional dos pilotos durante o voo noturno e nesse tipo de ocorrência, o fator humano em seus aspectos fisiológicos e psicológicos são fatores contribuintes por motivo de fadiga e stress, somados a alguns fatores operacionais e materiais que serão agora narrados.

          Desde a decolagem inicial de Base Aeronaval de São Pedro da Aldeia (SBES), o helicóptero vinha apresentando pequenas panes, que exigiram o seu regresso para o aeródromo por duas vezes. Durante o voo noturno, a pane reapareceu.

           A falta de proeficiência do controlador aéreo dificultou seu empenho em vetorar a aeronave durante as aproximações diurnas controladas até o navio, fazendo com que apenas uma controlada, em três tivesse sido válida. Esse tipo de acontecimento gera ansiedade, devido à falta de confiança dos pilotos no controlador.

            O adestramento do 1P, que há seis meses não realizava operações aéreas com esta classe de navio, influenciou negativamente o seu rendimento. Embora recentemente tivesse participado de uma comissão a bordo de um navio de outra classe, realizando operações noturnas, a perspectiva do navio vista pelo piloto, suas reações e o sentimento da rampa são peculiares para cada classe.

A vetoração da aeronave para cima da terra ou ilhas em condições meteorológicas de instrumentos (IMC), como ocorrido nessa comissão, pode ter sérias conseqüências, pois estando a aeronave em controle positivo, a responsabilidade pela navegação e separação de obstáculos é do controlador.

As falhas no controle são fatores contribuintes para desvio da atenção dos pilotos, levando-os a se preocuparem também com a navegação em condições IMC, quando toda a sua atenção deveria estar concentrada no voo por instrumento. A perda da primeira aproximação noturna veio reforçar o sentimento de insegurança dos pilotos em relação ao adestramento do controlador, aumentando sua tensão, com efeito negativo sobre o desempenho.

O desligamento do GPI (Glide Position Indicator) durante a segunda aproximação foi mais um fator contribuinte, pois criou um sentimento de incerteza quanto ao seu correto funcionamento, com efeito claro sobre a concentração do piloto na varredura dos instrumentos de voo.  Havia o registro, em relatório de fim de comissão anterior, de que o GPI do navio apresentava coloração branca, tendo sido sanada tal discrepância durante aquela comissão. Devido ao seu posicionamento próximo à barra de horizonte artificial, se a luz indicadora da rampa de aproximação estiver branca, pode ser confundida com uma de suas luzes.

Pode também ter ocorrido um desalinhamento do GPI no plano horizontal, causando um desvio de sua marcação dos 195º relativos, além de que nesta classe de navios por suas dimensões e características de estabilidade, além do balanço e acentuado caturro, ocorrem movimentos de deslizamento lateral da popa em função do ângulo entre o rumo do navio e a direção do mar e é possível que esse deslizamento tenha ocorrido na segunda aproximação, pois estando o helicóptero próximo ao limite do setor de visualização, qualquer movimento lateral da popa provocaria sua saída repentina do setor de luzes da GPI.  

O volume de eventos da VSA, o menor período de luz do dia devido à época do ano, (no inverno o período diurno fica mais curto) e o atraso na chegada da aeronave tornaram reduzido o tempo para realização dos voos, não permitindo intervalos de descanso adequados entre os eventos.

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A falta de alimentação do 1P, que ficou sete horas e meia sem ingerir qualquer tipo de alimento ou líquido, contribuiu para o incidente, pois o jejum ou alimentação deficiente afetam o desempenho dos pilotos, aumentando a fadiga e reduzindo a capacidade de julgamento e o 2P  alimentou-se rapidamente antes do voo, não tendo feito uma refeição adequada, devido à exigüidade de tempo. 

Após o corte dos motores e parada da aeronave, o comandante do Destacamento Aéreo embarcado (DAE), se reportou ao mais antigo da Comissão de Vistoria, expondo a falta de condições para prosseguimento do evento. Tal fato foi levado ao Comandante do navio e após um novo briefing, a aeronave regressou para SBES.

A arte da segurança é saber tomar decisões certas nos momentos errados ou incertos e o primor dessa decisão ficará sempre guardado no fundo do ego daquele que profissionalmente evitou um desastre, que no caso narrado, evitou um acidente aeronáutico.      

 

Carlo Augusto Pereira Costa

Diretor de Comunicação e Divulgação

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